Monday, March 2, 2009

Dizendo Adeus A Um Dos Heróis Moçambicanos Não Reconhecido

-traduzido do Inglês por Carlos Fernandes
-publicado pelo jornal Notícias - Cultura. Maputo, Mozambique, 15 de Julho, 2007, p. 6.

Como estrangeira vivendo em Maputo, tenho observado como Moçambique glorifica os heróis do passado, tal como em muitos outros países no mundo. Valorizar os heróis do passado é importante para a herança nacional de um país, mas não no sentido de ofuscar os heróis do presente. Os heróis do Moçambique de hoje são muitos, mas geralmente estes são pessoas comuns labutando diariamente em diferentes sectores de trabalho, para fazer a diferença na vida das pessoas, e para fazer do país um lugar melhor.

Enquanto ele prepara a viagem, para o que nós esperamos que seja apenas uma partida temporária de sua terra natal, é oportuno que nós reconheçamos um desses heróis no nosso meio – Luis Sala. Popularmente conhecido como “Lulu”, Luis Sala é solista da Companhia Nacional de Canto e Dança, coreógrafo e professor de dança.

No estrangeiro, Lulu partilhou a rica cultura moçambicana com audiências do mundo inteiro nas muitas digressões que ele fez com a Companhia Nacional de Canto e Dança. Em casa, ele tem deliciado chefes de estado e oficiais estrangeiros em inumeráveis ocasiões com a energia contagiante e o talento que ele traz à dança tradicional. Ele tem procurado colaborar com artistas de outros países e tem apresentado o seu próprio trabalho contemporâneo num ambiente onde o apoio financeiro para as artes a cada dia decresce e o acesso ao avante-guard é muito limitado.

Eu tive o privilégio de conhecer Lulu, tanto profissionalmente como pessoalmente, durante os últimos dois anos que passei em Maputo. Eu cheguei a reconhece-lo como um herói, não somente devido ao talento que ele exibe em palco e nos estúdios de ensaio, mas também pelo seu desejo sincero de fazer a diferença na vida das crianças orfãs e vulneráveis de Moçambique.

Nos últimos anos, Lulu tem
dado aulas de dança para jovens orfãos e vulneráveis no Centro de Crianças da Matola e também para o Mar Azul, um grupo de Capoeira que trabalha com meninos de rua. Em 2005, ele montou uma peça com crianças do Centro Arco-íris intitulada “Flores que nunca murcham”, com o apoio da UNICEF e da Companhia Nacional. A peça explora a maneira como os jovens lidam com o seu crescimento no meio da grande explosão da epidemia do HIV-SIDA. Esta peça foi estreada no Cine África no dia 1 de Dezembro de 2005 para o dia mundial do HIV/SIDA e subsequentemente apresentada em várias escolas de Maputo. Os estudantes do Arco-íris que participaram neste projecto tornaram-se numa espécie de família com o Lulu presidindo na direcção como estimado líder e seu modelo.

Logo ao seguir ao projecto “Janela de Esperança” com a UNICEF, Lulu começou a trabalhar para o “Dança Para a Vida” , um projecto que eu desenvolvi com o intuito de trazer um currículo que combinasse educação em HIV/SIDA e dança para três orfanatos de Maputo. Enquanto observava Lulu ensinando no projecto “Dança Para a Vida”, eu comecei a apreciar a essência do heroísmo do Lulu. Ele exigia 110% dos jovens que tipicamente sofrem de baixa auto-estima e não esperam muito de si mesmos. Ele inspirava-lhes não só com os seus dons físicos na dança, mas também com palavras que fizeram com que eles tivessem mais confiança neles mesmos, e acreditassem que podiam alcançar os objectivos definidos por Lulu. Ele educou-lhes acerca do HIV/SIDA, como prevenir a transmissão e porque é importante ajudar as pessoas vivendo com essa doença. Ele educava-lhes não somente como dançarinos, mas como seres humanos. Os resultados do dia da actuação falam por si mesmos.

Se alguém tivesse que contar os orfãos e crianças vulneráveis que Lulu alcançou, teríamos facilmente um numero superior a 100. Conhecer Lulu é maravilhar-se com a maneira como ele conseguia gerir muitas coisas diferentes, muitas delas requerendo energia física todos dias. Enquanto conduzia em direcção aos orfanatos, falando no celular equilibrado no seu ombro, e trocando as mudanças do carro, eu uma vez perguntei-lhe como ele conseguia lidar com uma agenda tão carregada. Ele respondeu que não tinha escolha, se quisesse sobreviver e fazer a sua vida (o que seria impossível se tivesse unicamente que depender do pequeno salário que ganha como “embaixador cultural” e solista, considerado por muitos como o melhor dançarino da Companhia Nacional).

Lulu tem agora os seus olhos postos no Canadá, onde irá actuar com algumas companhias e coreógrafos e frequentar estudas de dança. Permanecer em Moçambique seria estagnar-se uma vez que ele já alcançou o limite em termos do que o pais pode oferecer em oportunidades de dança. Moçambique pode somente esperar que um dia ele regresse para a sua terra natal para usar as aptidões que ele irá adquirir no exterior para ajudar a desenvolver o cenário da dança em Moçambique, que desesperadamente precisa de equipamentos, coreógrafos e professores. Talvez alguém poderá argumentar que arte é um luxo num país tentando pôr fim à pobreza absoluta, mas aqueles que procuram soluções criativas para Moçambique irão encontrar respostas promissoras em pessoas como Lulu e nas Artes. Por favor, junte-se a mim em desejar ao Lulu uma boa viagem e um regresso rápido e honrar-lhe pelas suas realizações como um dos jovens heróis moçambicanos.

Saturday, January 3, 2009

Pekiwa - Inovações em Madeira

Quando chegar ao atelier de Pekiwa, no Rio Matola, a quase vinte quilómetros de Maputo, saberá que terá chegado a uma residência que é inconfundivelmente de um artista. Apesar do espaço ser uma obra em processo, torna-se imediatamente evidente o porquê de Pekiwa escolher viver justamente bastante longe do barulho e da confusão da cidade capital, num paraíso natural construído pelas suas próprias mãos, mãos de artista.

Com a sua casa modesta e atelier na mesma parcela, Pekiwa transformou o seu pedaço de terra numa galeria de esculturas ao ar livre. Entre plantas nativas e um jardim artístico, os visitantes recebem boas-vindas calorosas e são levados para uma vasta colecção de esculturas ornando a propriedade.
Pekiwa é herdeiro duma legado rico de escultura moçambicana em madeira, sendo descendente artístico do escultor Govane, seu pai biológico. Govane é um contemporâneo de Alberto Chissano que iniciou a escultura moderna de madeira em Moçambique. Mesmo depois de se suicidar em 1994, Chissano permanece como um dos artistas mais famosos de Moçambique, a par do pintor Malagatana. Chissano abriu as portas para Govane e uma geração de escultores que surgiram durante a época da independência de Moçambique e cujo trabalho foi considerado uma voz de resistência contra o poder e a opressão colonial.

Porém, Govane, ele mesmo um escultor bem-respeitado, não reagiu favoravelmente quando soube que seu filho possuía uma inclinação para criar arte de madeira. Com medo da desaprovação de seu pai, o adolescente Pekiwa costumava pegar em ferramentas quando seu pai estava fora cuidando das suas colheitas e começou a aprender como esculpir. Mas, quando viu o que seu filho tinha feito em segredo, Govane zangou-se e quebrou as suas primeiras obras.
Pekiwa tem muitas histórias divertidas para contar sobre as batalhas que teve com seu pai (incluindo a vez em que Govane cortou as suas rastas), mas foi quando Govane finalmente o mandou embora de casa com a idade de dezoito anos que começou o processo de “se libertar da influência do seu pai” e a definir a sua própria identidade artística. Hoje em dia, as lutas de Pekiwa são uma coisa do passado e existe respeito mútuo entre estes grandes artistas. Se Govane representa a velha guarda modernista, talvez Pekiwa e suas obras—que mais recentemente são objectos achados e reciclados esculpidos com uma estética modernista—anuncie uma nova geração pós-moderna.

Logo depois de começar a viver por conta própria, Pekiwa abandonou o nome de Nelson Augusto Carlos Ferreira e combinou sons diferentes de que gostava para formar “Pekiwa,” o nome artístico pelo que é agora conhecido. Pekiwa diz que está feliz porque agora pessoas lhe dizem que “olham para suas obras e podem identificá-las como dele.” Além de esculpir em sândalo e outras madeiras, Pekiwa é um dos poucos, se não o único escultor em Moçambique, que trabalha com objectos achados e reciclados. Ele diz que estes materiais—carris, portas antigas e caixilhos velhos de janelas –“transmitem mensagens devido à sua riqueza histórica.” Está fascinado por “transformar algo velho em algo novo, enquanto permite que o velho retenha a sua integridade rústica.”

Pekiwa apaixonou-se pela Ilha de Moçambique onde esteve várias vezes, ficando por lá a residir durante dois meses de cada vez. Para Pekiwa, a “Ilha” é uma caixa de tesouros cheia de artefactos e arquitectura histórica muita da qual data do século dezoito e mesmo de antes. Durante as suas permanências na Ilha, Pekiwa diz que passeava pelos bairros e achava nas ruínas pedaços e objectos que o chamavam, pedindo para lhes ser dada uma nova vida.

Não são só as relíquias dos dias passados que o inspiram, mas também o povo da Ilha, as cores e as diferenças com a sua província natal de Maputo. Distinto da geração de seu pai, que expressava sofrimento, fome e violência nas suas obras, a arte de Pekiwa é caracterizada pela procura de esperança e beleza na experiência humana e é inspirada por coisas simples da vida quotidiana—como em movimento, tatuagens ancestrais, relações entre pessoas, mulheres e crianças no mercado, e gente encontrando felicidade apesar das suas lutas diárias. Pekiwa diz que “vê coisas lindas” quando se senta com “os velhos a tomar um copo nas barracas”, observando apenas e escutando o conhecimento que acumularam.

Embora começasse a sua carreira a vender as suas esculturas na Feira do Aretesanato aos Sábados, hoje em dia vende principalmente a indivíduos, empresas e organizações que compram as suas obras em exposições ou depois de visitarem o seu atelier. Tem sempre conseguido sobreviver das suas esculturas que atraem a atenção de clientes diversos. A sua produção é constante e as suas obras geralmente vendem-se rapidamente. Não obstante e felizmente, Pekiwa, que acabou de completar 30 anos, tem pela frente uma carreira longa de inovação na arte de escultura de madeira.

Para se ligar com Pekiwa directamente, por favor contacte
pekiwa77@yahoo.com.br ou +258-82-8958770.